Johnny The Homicidal Maniac é um quadrinho que foi publicado entre 1995 e 1997, escrito e ilustrado por Jhonen Vasquez. No Brasil, Vasquez é mais conhecido por seu trabalho na televisão, mais precisamente Invasor Zim, sim, aquele desenho da Nickeloden que se você tem a minha faixa de idade provavelmente já deu pelo menos uma olhadinha. E se deu essa olhadinha deve ter sentido o clima escrachado e o leve humor negro que continha o desenho. Bom, Johnny é tudo isso, só que com conteúdo bem mais adulto (e essa é a parte legal).
A história gira em torno de Johnny C., que prefere ser chamado de "Nny", um sujeito que basicamente mata qualquer um que aborrece ele(de preferência de uma forma cruel e extensa) e mora sozinho em uma vizinhança urbana decadente(lugar perfeito para achar muitas vítimas). Mas Johnny também não faz tudo exatamente porque quer, ele tem um certo probleminha: ele precisa drenar o sangue de algumas de suas vítimas para manter fresca a pintura de uma parede de sua casa, pois se não fizer isso pode libertar algo muito ruim que mora lá, e conforme vamos vendo existe muito mais coisa por trás de seu comportamento de que Johnny nem mesmo imagina.

Sobre essa premissa, Vasquez entrega o mais puro e possível humor negro. Logo nas primeira páginas, vemos Johnny invadindo a casa do seu vizinho de 8 anos que acaba de mudar atrás de um remédio, discutir com o ursinho do garoto (sim, isso mesmo), destruir o ursinho (sim, isso também, foi uma conversa um pouco divergente), e sair pela janela alertando o vizinho de que ele não devia mais fechar a janela, porque isso dificultava pra ele. Visita básica de boas-vindas. Ainda aconteceram coisas como o hilário massacre ao som de "Hino À Alegria", a confusão de Johnny ao tentar cometer suicídio em um loja após não conseguir o doce que estava atrás, entre outras que eu não vou estragar a surpresa de quem for ler. Acredite, se você não consegue achar graça em cenas de violência, nem tente ler
Johnny. Existe uma cena particularmente hilária que envolve a abertura de um crânio com as mãos, o qual tem o cérebro retirado e pisoteado. Tudo isso na frente de uma criança, claro. Sentiu o clima, né?
Ainda sim, apesar de toda crueldade cometida por ele, Johnny C. é um personagem extremamente carismático. Além de ser meter em situações cômicas, Nny possui opiniões fortes(seu discurso sobre violência no entretenimento é muito interessante), e tem uma boa carga dramática, sendo praticamente um alter ego das experiências de Vasquez com a solidão e as incertezas. Uma das partes mais interessantes é seu distúrbio de multipersonalidade encarnada nos bichos de pelúcia, que aos poucos começam a fugir de controle (é tenso, acredite, mas engraçado). Conforme a história avança, os dilemas de Johnny vão se tornando cada vez mais profundos(e os problemas igualmente), e isso não o torna mesmo engraçado em nenhum momento, o que demonstra a habilidade de Vasquez no desenvolvimento do roteiro.

Esse é outro ponto que deve ser citado, a história. Nas primeiras edições, as histórias parecem desconexas, mas a partir de determinado ponto se ganha uma linearidade que junta a maioria desses fatos. Afinal, o que tem atrás da parede de Johnny? O que são realmente os bichos de pelúcia falantes? E conforme vamos obtendo respostas as coisas vão ficando cada vez mais insanas, chegando a um nível totalmente non-sense em certos momentos.

Fora esse arco mais "sério", Vasquez ainda desenvolve enquetes entre as histórias de Johnny que são ainda mais hilários e bizarros. Um deles é supostamente escrito por Nny, o "Happy Noodle Boy", que de happy só tem o nome mesmo, é um pseudo-profeta-homem-palito que não fala coisa com coisa (ex: "Hey, Dog Entity! Rise up and bare your biscuit filthy fangs at the opressive leash wielding demon!!" ), que toma atitudes ainda mais estranhas (como grudar na costa das pessoas) e que de certa forma sempre acaba com um tiro na cabeça, mas sobrevive. Outro é "Woobly Headed Boy", que criaturinha que vive num mundo todo fofo, mas que foi abençoada com um conhecimento superior e por isso tenta alertar seus semelhantes da realidade (pessimista) da vida (o que tem alguns resultados como suicídio, exílio, uma multidão o enxotando), basicamente um Nietzsche vivendo no Discovery Kids. Além do "Meanwhile...", que basicamente são coisas aleatórias como guerra de antigos deuses encarnando em crianças e experiências alienígenas sobre a sexualidade humana(achando que galinhas são as fêmeas humanas, claro).

Além disso, existe dois personagens que chamam a atenção(um pouco por permanecerem vivos dentro desse elenco no mínimo cheio de saídas forçadas). Um deles é Todd, apelidado carinhosamente de "Squee", por Johnny. Todd é o vizinho de 8 anos de Johnny, e um de seus poucos amigos, que se assusta facilmente e carrega um ursinho pra todo lugar que vai. Ignorado pelos pais, a única pessoa que realmente se importa com ele é Johnny, e talvez por isso se afeiçoe a ele. A outra é Devi, a garota por quem Johnny acaba tendo certo interesse amoroso(mas as coisas não vão muito bem), e é outra das poucas pessoas que se afeiçoa a Johnny(e igualmente uma das poucas que saiu viva de sua casa). Ambos ganharam quadrinhos próprios depois do fim de
Johnny The Homicidal Maniac, Todd em
Squee! e Devi em
I Feel Sick. (quem sabe se der pique eu ainda escreva sobre esses aqui também).

Mas se existe algo desafiador é estilo em que Vasquez produziu o quadrinho. Basicamente o traço tenta inserir o máximo de informação em letra garranchada possível no balões (por vezes gigantes), e também dos lados, perdidos no fundo do quadrinho, etc. Toda vez que você reler um capítulo vai achar um detalhe que não tinha visto. Além disso, apesar de apressado e propositalmente escrachado, o traço de Vasquez possui uma característica única e encantadora para aqueles que conseguirem notar certo detalhismo em algumas situações, e o cuidado em que ele constrói as cenas, por vezes em total confusão e sujeira, chegando a um certo nível de poluição visual que incrivelmente funciona e de forma magnífica em sua história. Infelizmente, é justamente essa característica marcante dos quadrinhos de
Johnny que fazem com que ele provavelmente nunca ganhe uma tradução brasileira(apesar de que isso impede que eu vá ter a raiva de ver uma tradução porca e censurada um dia).

É preciso dar destaque também aos inspirados textos pessoais de Vasquez ao começo de cada edição, sempre francos e incisivos nas questões levantadas pelo autor, e por vezes até mesmo confessionais do próprio, muitas vezes ao lado de páginas do diário de Johnny C., que também são sempre interessantes para se aprofundar na história.
Resumindo, Johnny The Homicidal Maniac consegue reunir o melhor do clima gótico, violência, humor negro, nonsense, e ainda ter uma história excepcional que prende por todas as sete edições, e mostra um trabalho cuidadoso e delicado de Jhonen Vasquez, ouso dizer que é obra-prima.